breve,

Uma estrela cadente. Brilhante, intensa. No entanto uma estrela cadente é apenas visível por breves momentos. Assim é o teu amor por mim. Brilhante, intenso, breve. Palavras bonitas, olhares demorados, esse teu sorriso. Fazes-me esquecer o Mundo, fazes-me sentir especial. Mas desaparece tudo num instante. É tudo falso, tu és falso, não entendes? Mentes-me, magoas-me, enganas-me. E aí eu sigo em frente, achando que já aprendi a lição. Mas não. Voltam as palavras bonitas, voltam os olhares demorados, volta esse teu sorriso. E eu esqueço-me do que já passou, acredito que agora vai ser diferente. Mas tu continuas a ser falso e tudo o que vem de ti é falso também. Magoas-me de novo. Eu deixo que me magoes. Não passas de uma criança, uma criança que não sabe o que quer, que não sabe sequer o que é amar. E eu continuo a deixar-me ir. Não, a culpa não é tua. Não, a culpa é minha, minha porque me deixo levar, minha porque deixo que me magoes. Deixo-me levar pelas tuas falsas palavras, o teu falso olhar, o teu falso sorriso. Sabendo já desde o início que tudo isso é falso e que as únicas coisas que permanecem verdadeiras são o meu sorriso enquanto estou iludida e as minhas lágrimas quando mais uma vez percebo que estou sozinha. Mas eu continuo, ingénua, esquecendo-me a pouco e pouco do que já passou, fechando os olhos e esperando, esperando pela próxima estrela cadente.

pára,

Uma simples saída, um encontro num café, uns momentos com uma amiga, com alguém que me entende e que se preocupa comigo. O calor que apenas os sorrisos e as palavras provocam preenche-me agora por completo. Não vou mentir, sentia falta disto, sentia falta de me libertar um pouco, de existir apenas, sem pensar em tudo, como sempre faço. E é então que o telemóvel vibra e ao ler a mensagem um sorriso se desenha, lentamente, no meu rosto, o sorriso que só ele me proporciona. Tu reparas no meu sorriso, tiras-me o telemóvel da mão e acabas com aquela conversa que nem sequer devia ter começado. O teu olhar é sério e duro, eu sinto-me uma criança que só faz asneiras. Às vezes precisamos de alguém que nos faça parar. Tu fizeste-me parar. Obrigada irmã '$

indiferente,

- Ele é um puto? Mas é isso que tu mereces, criancinha.

Sentada no teu sofá. A tremer porque não consigo parar, a tremer porque me dói, tudo me dói. A minha alma, a minha alma dói-me. O teu olhar permanece como sempre, indiferente ao que sinto, ao que se passa comigo. Olhas-me como se eu não importasse e proferes essas palavras que ecoam, uma e outra vez, nos meus pensamentos. 'Criancinha'. 'Criancinha'. 'Criancinha'. Eu encolho-me e fecho os olhos para que aquele pesadelo pare mas tudo continua igual. E tu continuas à minha frente, tu e esse teu desdém, dizendo que tive o que merecia, que não passo de uma criança. Momento doloroso mas também antigo. No entanto hoje, hoje não consigo fechar os olhos, não sem ter de encarar o teu olhar indiferente, preso na memória, e as tuas palavras, 'é isso que tu mereces, criancinha'.

um pouco de ti,

Essa segurança que tu trazes contigo. Essa segurança que está no teu modo de andar, no teu sorriso travesso, no teu olhar curioso, nas tuas mãos inquietas. Essa segurança que tu trazes contigo, que tu transmites em cada palavra, em cada toque, em cada gesto. Essa segurança que só tu possuis, como se fosse algo que tivesses capturado, tal e qual um pirilampo num frasco de cristal, a tua luz, a tua segurança, que tu prendeste dentro de ti. Ninguém entende que não és feito de segurança, que existe mais, muito mais por descobrir. Mas tu continuas e não te importas, tu finges que é mesmo assim, finges que essa segurança brilha dentro de ti, mostrando-a no teu andar, no teu sorriso, no teu olhar, nas tuas mãos. Ninguém vê quem és realmente, ninguém sabe realmente quem és. Só eu sei que esse pirilampo, essa tal luz que brilha dentro de ti precisa de força para brilhar. Mas que importa? Nada importa realmente desde que a tua falsa segurança esteja comigo, desde que essa luz, ainda que trémula, brilhe, desde que os teus braços me envolvam, apenas hoje, apenas hoje e sempre.

porquê?

Por vezes eu assim, olhando o Mundo sem o reconhecer. Por vezes eu assim, olhando o espelho sem saber quem me devolve o olhar. Por vezes não entendo quem sou, onde estou, o que faço aqui. Fecho os olhos por um momento mas nada muda. Começo então a caminhar, os meus pés levando-me a pouco e pouco, sem eu sequer me dar conta, para o mesmo sítio de sempre. O sítio que eu visito uma e outra vez. Uma janela e uma parede é tudo o que se vê. A chuva caindo fortemente do outro lado desta solidão. Sento-me no chão, embrulhando as pernas com os braços, fechando os olhos e tentando tornar-me pequenina, tão pequena que possa, por fim, desaparecer. Ouço passos. Não olho sequer. Uma voz. Uma mão procurando a minha, uma mão agarrando a minha. Eu ainda a tentar desaparecer. A voz "Porquê?". Levanto finalmente a cabeça sabendo já quem me olha insistentemente. "Porquê?". E eu calada, a ver o "Porquê?" desenhado no teu rosto, no teu olhar, nos teus lábios, na tua mão que agarra a minha. Eu sem saber o que responder, eu ainda a tentar desaparecer. E tu "Porquê?". Eu a pedir-te que me deixes, eu a pedir-te que vás embora. Tu sem te mexeres, a tua mão ainda a segurar a minha, tu ainda "Porquê?". Desconheço a resposta a essa pergunta mas tu não desistes. Tento dizer algo que te sossegue. As palavras não saem. Tu ainda, "Porquê?". Porque às vezes eu estou assim, escondida, a tentar desaparecer e tu ao meu lado, e tu "Porquê?".

esquece tudo o que te disse,

Quem és tu afinal? E porque insistes em me seguir? Acordo. O sono era profundo. Tenho medo. Tudo está diferente. Tudo mudou. Porquê? Apareço. Por mais que tente o ontem não volta. O amanhã demora demais a chegar. Posso mudar. És meu. Só meu. Ou não? Quero. Tenho que ser forte. O que quero está tão perto. Posso senti-lo. Rápido. Só um pouco, mais um pouco. Posso tocar-lhe. Oh, estou tão perto. Estarei a sonhar? Sonho. Foda-se, porquê? Era feliz, agora já não sou ninguém, pois não? Desisto. Tudo se torna claro. Não te posso mudar. Choro. Tenho medo de desaparecer. Desapareço. Tudo fica escuro, cinzento, silêncio. O ar dói. A aura está negra. Quero mudar. Não posso mudar. Quero. Não posso. Olho. O mundo à minha volta é tão bom. E é meu. Penso. O mundo lá fora não presta, é escuro. Não é meu. Gosto. Tenho medo. Adormeço. Fujo. Desapareço.

o Mundo,

"Tu és forte." E eu já perdi a conta às vezes que já me disseram isto, à quantidade de pessoas que já mo disseram, ao número de vezes em que quis acreditar nestas palavras. Pois bem, hoje, hoje tenho uma novidade para o Mundo. Eu não sou forte, nunca fui. Apenas faço de conta que sim, tal como uma criança que finge ser uma princesa num castelo encantado, eu, eu faço de conta que sou forte. E a cada dia que passa engulo mais lágrimas e mais desilusões e escondo o que se passa realmente, apenas para que não se preocupem, apenas para que tudo pareça estar bem. Mas talvez não seja só eu que minta, Mundo faz-de-conta em que todos fingem que são outra pessoa, em que fingem que tudo está bem quando tudo não está, não está mesmo nada bem. E todos engolimos lágrimas e desilusões como se disso retirássemos algum prazer, como se isso fizesse com que não existisse qualquer dor. Engolimos lágrimas tal e qual os grandes escritores, como Camões, faziam fingindo depois que isso os agradava, fingindo que ao escrever que 'morriam' por amor a dor era menor. Tentando convencer os ingénuos que o amor é sempre bom, mesmo que se sofra. O Mundo pode não saber mas o amor, o amor é um vício, o amor é uma droga, que nos consome por dentro e nos destrói a pouco e pouco enquanto, mudos e fingindo-nos felizes, engolimos lágrimas, que contêm a pouca verdade que ainda existe neste Mundo de faz-de-conta.

Bruno,

Há coisas nesta vida que, independentemente da nossa idade, batem forte cá dentro. A morte é uma delas. Pensamos sempre que está longe, que nunca nos vais tocar a nós, aos nossos. É algo que acontece sempre a outro, a outro que mora longe, a outro que não nos é nada. Podem-nos dizer que, por segundo morrem estas e estas e estas pessoas. Não nos importamos, são apenas números, apenas desconhecidos. Mas quando toca a alguém não tão distante, um amigo de um amigo, alguém da mesma idade, alguém que partilhava os mesmos amigos e os mesmos locais que nós, alguém como nós, alguém que podíamos muito bem ser nós, tudo deixa de ter sentido. Nada nem ninguém tem o direito de apagar coisas destas vida, pessoas, apagar pessoas tão cedo, ninguém tem esse direito. Alguém corra para trás, alguém corra para trás no tempo e pare aquele carro, alguém corra para trás e salve aquele miúdo. Ele não merecia. Ninguém merece, ninguém merece que lhe roubem assim a vida. Ninguém merece ficar assim. Mas o Bruno ficou assim, no chão, vendo tudo, todo o seu futuro partir rapidamente, assim como o carro que lhe tirou a vida.

um nada,

Encostada a uma parede dou por mim a fitar o horizonte. Na minha cabeça cálculos são feitos freneticamente, a dúvida sobrevoando-os, ansiosa. A velocidade e a altura e o choque e o tempo. A dor.
Abano a cabeça como se isso afastasse estes pensamentos. Já não percebo nada, já não me percebo. Nunca fui assim. Sei que algo mudou apenas desconheço o quê e o seu porquê. Ocorrem-me coisas que sempre me assustaram. Tentativas desesperadas. Pedidos de liberdade. Gritos silenciados. Esperanças vazias. Vida que mal começou, que ainda não teve oportunidade de começar. Tantos sonhos, tantas maravilhas estão no futuro. Pessoas que sairão e entrarão de rompante, sem bater à porta, sem sequer avisar. E bem lá no fundo uma certeza. A de não querer, a de não querer estar aqui para presenciá-las, para vivê-las. A morte, algo tão desconhecido. E agora, pela primeira vez, algo tão tentador.

tudo,

"Cheiras a Feira de Março" disse ela. E cheirava. O seu perfume lembrava os sorrisos, as cores, os sons daqueles dias mais que perfeitos. Todos os anos eles se reuniam e iam, primeiro de comboio, depois a pé. Mas não se importavam, até a maior distância era feita em meia dúzia de passos acompanhados de algumas gargalhadas. Tudo o que queriam era estar assim, juntos, todos os dias, só mais um dia. E riam e corriam, visitavam tudo, experimentavam tudo. Todas as diversões ganhavam nova vida com eles. Enfim, eles eram vida. Quando estavam juntos estavam completos, felizes. Durante umas horas, naquela feira, eram apenas eles e essa doce liberdade. Num desses anos foram até lá, como em todos os outros, primeiro de comboio, depois a pé. Chegaram. Os portões da feira fechados. As discussões, as terríveis discussões começaram. A união foi esmorecendo, a felicidade desaparecendo. Oh. As amizades que existiam, as saudades que ficaram.
"Cheiras a Feira de Março" disse ela, e uma lágrima caiu.

em silêncio,

A qualquer um já aconteceu ficar sem palavras. Querer dizer, não, querer dizer não, querer gritar um
- Gosto de ti,
mas não sair nada, nem um som, nem a mais pequena palavra. E ficamos assim, em silêncio, tanto nós como aquela tal pessoa, aquela tal a quem queríamos dizer, não, dizer não, gritar um
- Gosto de ti,
mas à medida que o tempo passa apercebemo-nos que o silêncio não é assim tão mau, não magoa e não fere como algumas palavras cruéis. Com o tempo, apercebemo-nos que aquele momento é especial, que aquele silêncio que a princípio tanto estranhávamos parece agora acolhedor e carinhoso. E nós, que primeiro desejávamos que aquilo acabasse, que as palavras voltassem depressa, descobrimos que acabámos de pedir um desejo, ficar para sempre naquele momento, embrulhados no carinho de quem não sabe viver sem nós. Não são necessárias palavras nem grandes gestos de amor, não é necessário um
- Gosto de ti,
porque um
- Gosto de ti,
já está implícito naquele momento, naquele silêncio, naquele sorriso.