frio,

Abraço-te mas sinto-te frio. Seguro a tua face entre as mãos como se te tentasse prender a mim e deposito um beijo, um leve beijo triste, nos teus lábios. Não reages. Procuro o teu olhar mas tu fitas o horizonte cinzento e distante por detrás da janela. A tua respiração embacia o vidro que, como tu, está frio. Gelado. Acabas por desviar o olhar daquele horizonte escuro como se despertasses de um sonho querido. Sorris-me, mas o teu sorriso fica prisioneiro na boca, não chegando a alcançar os teus olhos que, vejo agora, estão vazios. Mas afinal o que se passa connosco? 'Nada', respondes-me, 'porque não existe um nós'. O meu coração falha uma batida. 'Sabes bem que um nós não faria sentido, já te disse, ela é que foi o amor da minha vida'. É verdade sim, já mo disseste e disseste-o tantas vezes que estas palavras não deviam ter agora qualquer efeito em mim. Escusado será dizer que continuam a magoar tanto ou até mais do que da primeira vez. Nunca me mentiste nem criaste ilusões. Agradeço-te isso. Às vezes dou por mim a pensar em deixar-te, em sair porta fora sem destino. Às vezes dou por mim a pensar que qualquer amanhã seria melhor que este hoje. Oh, quem é que eu estou a tentar enganar? Nunca conseguiria deixar o meu porto de abrigo. Sim, porque é isso que tu és, o meu porto de abrigo. Ninguém entende. Só eu sei porque é que continuo contigo. É que, sabes, foi contigo que descobri a melhor sensação do Mundo, pelo menos para mim. E por muito frio que estejas, por muito geladas que sejam as tuas verdades, eu serei feliz. Desde que possa adormecer abraçada a ti, tendo a certeza de que, quando acordar, vais estar ao meu lado.

a mudança,

Há algo que me acontece constantemente, sempre. Desde que me lembro que não me dou bem com mudanças. Ainda hoje quando tenho de datar alguma coisa escrevo janeiro e não fevereiro. E muito provavelmente só no fim deste mês é que me vou acostumar a escrever o mês correcto e o pior é que, quando finalmente acertar, o mês vai mudar de novo e vai tudo recomeçar. O que é que fica para trás? Um sem fim de palavras riscadas, por confusão, por distracção, por não me conseguir acostumar. Sou assim em tudo, sempre fui. Fico presa um pouco atrás no tempo, tentando desesperadamente acostumar-me ao novo enquanto, aos poucos, vou largando aquilo que desejava que ainda não tivesse acabado. E o sem fim de palavras riscadas continua. O verão transforma-se em inverno (ou será inferno?), os quinze tornam-se em dezasseis anos, o sol passa a ser chuva. E chuva, logo chuva que me deixa tão triste. Não sei, não faz sentido, mas para mim cada gota de chuva é uma lágrima. Mas quem poderia sofrer tanto ao ponto de chorar assim? Quanta dor por detrás da janela, quanta dor escondida na chuva. E agora até as estrelas me deixam triste, sabes? Desde aquela noite, aquele noite em que olhei para o céu - um céu com tão poucas estrelas - e olhando uma estrela pequenina, parecia encolhida, parecia apagada, parecia ter medo, perguntei, em voz alta, sem ter sequer consciência daquilo que estava a fazer 'E então estrelinha, diz-me, também tu estás a perder a graça que tinhas?' e deixei cair uma lágrima, mais uma que poderia cair do céu, mais uma gota de chuva. E desde essa noite, desde essa estrela, que até o céu é triste para mim. Tornaste-me assim, uma pessoa mais apagada, mais encolhida, parecendo ter medo. É que sabes, 'eu estou a perder a graça que tinha'. Desde que me lembro que nunca gostei de mudanças, muito menos de crescer. E o que é que fica para trás? Um sem fim de palavras riscadas.