é natal,

- Fecha os olhos sim, amor?
- Está bem.
- Já estão fechados?
- Já.
- Não estão nada, safada.
- Pronto pronto, agora já estão. Mas para que raio é isto?
- Shiuu, cala-te e nem penses em espreitar se não não dá. Vá, agora imagina-nos num sofá, sentados, tu com a cabeça deitada no meu ombro, as mãos num nó bem firme, que ninguém, ninguém poderá nunca desfazer. À nossa frente uma lareira, e nós ali sentados a ouvir o fogo queimar lentamente cada tronco de madeira, a sua história reduzida a cinzas e nós ali, a admirá-la a ela e à dança hipnotizante das chamas. Como som de fundo temos apenas uma música suave e as palavras ingénuas e o sorriso das crianças. Sim, porque o sorriso também se ouve e se nunca o ouviste então um dia eu ensino-te a escutá-lo. Mas não te preocupes, temos todo o tempo do Mundo. Num canto da sala está uma enorme árvore de natal previamente decorada por ti, que sempre gostaste dessas coisas. Será natal, portanto. É natal e eu peço a todos os velhos gordinhos de barbas, a todas as estrelas, a todos os reis do oriente, a todas as fadas e a todos os génios das lâmpadas encantadas que se retirem.

love,


Love can touch us one time,
And last for a lifetime.

para sempre,

Entendemos-nos muito bem, falamos imenso e estamos juntos quase todos os dias. Ele diz-me constantemente que gosta muito de mim. Eu digo-lhe que não acredito nele. Ele não entende porquê mas diz-me que, quando eu acreditar, gostaria de namorar comigo. Ele nunca me entendeu bem, acha-me muito misteriosa e é por isso que acha que nunca vai deixar de gostar de mim, porque haverá sempre mais um mistério para desvendar. Promete-me assim todos os beijos e todo o tempo e não entende que nós não temos direito a tudo, ele ainda não entende que só temos direito ao agora e que a eternidade nunca acontecerá. Ele continua a ser muito garoto e a não perceber como é que o Mundo funciona, continua a achar que vivemos um conto-de-fadas. Eu gosto demasiado dele para o desiludir, explicando-lhe que um dia deixaremos de ser um nós. Por enquanto, tenta provar-me todos os dias que o que sente por mim é verdadeiro e eu, com o tempo, vou acabar por deixá-lo acreditar. Que vai ser feliz para sempre.

you're just a boy,

‘Se o amor não faz sofrer então desculpem-me, mas nunca amei.’, disseste-me tu uma vez, no meio de mais uma das nossas conversas, aquelas tais em que dizíamos (e escondíamos) tudo. Era sempre assim, havia um sentimento, é certo, mas nunca era revelado. Para além do sentimento havia o medo, o medo de nos magoarmos um ao outro, o medo de admitir que o que sentíamos era real. É certo que algumas vezes nos deixávamos ir, algumas vezes o sentimento quase conseguia sair, mas havia sempre alguém que o silenciava, havia sempre um ‘não digas nada’. Agora já nem sei o que fazer contigo. És demasiado garoto para saber o que fazer com tanto amor. E eu só posso esperar que cresças. Mas já não sei se vale a pena. E se estiveres condenado a ser sempre criança? E se nunca cresceres? Como é que eu posso ter a certeza de que não serás para sempre assim? Peter Pan, talvez sejas como o Peter Pan. E se assim for então que pode alguém como eu, que no fundo não passo de mais uma Wendy, fazer? Tu não sabes o que fazer com tanto amor. E eu, eu tenho de o esquecer.

perpétuas,

Peço um desejo às estrelas. Sim, ainda acredito em estrelas. Aliás, é uma das poucas coisas em que ainda acredito, nestes dias. Porquê? Sinceramente não sei. Acho que sempre me fascinaram, pelo menos, desde que me lembro. Principalmente as estrelas cadentes. São incríveis, as estrelas cadentes. Uma vez disseram-me que as estrelas cadentes são como os amores de verão. Um pouco de luz numa noite escura, algo que nos deixa sem respiração e que desaparece sem que tenhamos sequer tempo de notar. Realmente, as estrelas cadentes são iguais aos amores de verão, ou talvez sejam como os amores em geral. Oh, afinal há uma diferença, um amor, um amor mas não um amor de verão, demora a desaparecer, assim como as feridas demora a sarar e assim como as feridas deixa sempre algo, uma marca, uma cicatriz. Enfim. De qualquer maneira, porque é que estou para aqui a falar de amores e de estrelas (e eu gosto tanto de estrelas) se ainda agora me disseste que a felicidade não se mede por estrelas cadentes? Há sempre coisas para além delas, coisas boas e, o melhor de tudo, perpétuas.

a noite,

Não sei como mas consigo distinguir uns passos no meio da música que parece não querer parar de subir. Uns passos que me soam estranhamente familiares. Fica tudo escuro. Sinto umas mãos a taparem-me os olhos. As tuas mãos. Agarro-as e viro-me para ti. Sorris. Cumprimentamo-nos e falamos um pouco. Afasto-me usando uma desculpa qualquer e vou repetindo isto durante toda a noite. Custa-me, admito, mas tento não me aproximar, não deixar que te aproximes. Devemos manter sempre uma distância, foi assim que foi decidido, é assim que impedimos que um de nós magoe o outro. No entanto, nem sempre consigo, nem sempre encontro forças. Apesar de estar errado há qualquer coisa que me puxa para perto de ti e, por isso, as nossas mãos acabam por se tocar e agarrar sem darmos conta, os teus beijos tímidos chegam a alcançar a minha face e a distância, ainda que existente, nunca é suficiente. Passamos a noite toda neste vai e vem, a fugir e a esconder, a procurar e a encontrar, a querer e a não poder. Encosto-me a uma parede e paro um pouco, cansada, a pensar em ti e em mim e em nós. Surges mais uma vez sem eu dar conta, dizes-me que tens de ir embora. Oh, não, não quero que vás. E, por momentos, esqueço-me que não devemos, que não podemos, que não está certo. A minha mão agarra a tua e puxo-te, sem pensar, para o meio da multidão que ri e dança e não se preocupa. Dançamos. De repente a música abranda e tu envolves-me a cintura com os braços, olhando-me com o sorriso mais terno que alguma vez vi. Volto de novo para a realidade: não podemos, não devemos e está errado. Afasto-me de ti bruscamente e viro-me para me afastar de ti, para criar de novo a tal distância, a que devia existir sempre entre nós. Mas tu agarras-me o braço e puxas-me de novo para junto de ti. Beijas-me, beijas-me como nunca o tinhas feito. 'Miúda?' E, de repente, vejo-me a dançar abraçada a ti, os teus braços a soltar-me, nós ainda a dançar, eu a agarrar-te a mão e a puxar-te de volta para a parede. Tudo isto em segundos, invertido e a uma velocidade impossível. 'Miúda?, e sim, és tu que me chamas, de volta para o Mundo. E vais mesmo embora, e despedes-te, e acabou.