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Todos temos dias bons e dias maus.

Há dias em que me sinto uma super-mulher. Dias em que sei que posso fazer tudo, que sou grande, que consigo, que valho a pena. Pode falhar tudo que eu aguento, que eu sobrevivo, que eu sou. Não preciso de mais ninguém, não quero mais ninguém. Sou feliz na minha solidão, comigo, sozinha. Dias em que não acredito no amor - em que não o acho necessário - e que sei que não preciso dele. São dias meus. São eu.

Hoje não é um desses dias.

Há outros dias em que não sei de mim, em que me enrolo em mantas e comédias românticas à procura de qualquer coisa que não tenho. Apercebi-me que ainda agora fez um ano que dei por mim perdida nuns quaisquer degraus, a atirar coisas à parede e a chorar. A chorar tanto. Gritei que não era justo, que não estava certo, que o amor era uma merda. E perguntei-me... Porque é que nunca valho a pena? Há coisas que cansam, diziam-me há dias. Cansa estar sempre à espera da tal história que vai fazer sentido. 

Mas eu não quero ser assim.

A verdade é que é difícil. Há dias muito complicados. Há coisas que magoam e que vão continuar a doer. Daqui a umas horas, daqui a uns dias, daqui a uns anos. Mesmo que passem, vai sempre haver alguém que vai abrir novas feridas. Alguém em quem confiavas e com quem achavas que fazia sentido. Acho que é assim que é suposto funcionar. E é difícil. É claro que é. Mas também vale a pena. Eu valho a pena. Vou valer sempre. E de vez em quando vai haver alguém que também se vai aperceber disso. E noutras alturas vou apenas ser eu sozinha. Risca o apenas. Vou ser eu sozinha. E aqui estamos. E daqui partimos.

Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz

fins escondidos

Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta. A verdade é que qualquer entrada de casa, qualquer par de degraus, qualquer canto de Coimbra é bom para um fim. E esses fins ficam lá marcados, entranhados, escondidos. Primeiro evitamos os locais onde nos deixaram. Esta é a primeira fase. Depois, mesmo se formos a passear entretidos, distraídos - felizes - ao passarmos por um desses adeus aperta-se qualquer coisa cá dentro. E vão duas. Se tivermos sorte, chega um dia em que já quase nem reparamos, não notamos. E então vemos a porta, abanamos a cabeça e sorrimos. "Que pateta que era", pensamos. 
Quando nos deixam, quando desistem de nós, perdemo-nos um bocadinho. Por momentos não reconhecemos a rua, o chão, as próprias mãos. A pessoa que está ao nosso lado, a pessoa que nos explica que o um vai ter de voltar a ser dois. Bem sei que não te reconheci, naquela entrada, naqueles degraus, naquele canto da tão minha Coimbra. E quis desistir, quis mandar o amor à merda, quis fazer juras de nunca mais permitir a este coração parvo uma paixão.
Mas de que servem as promessas? Parece ridículo, mas já perdi a conta às vezes que me pediram em casamento. Agarrando-me a mão, de joelho no chão, com um anel invisível ou gritando o pedido no meio da rua. Prometem-me sempre sempres. Amanhãs, tantos amanhãs quantos conseguir imaginar. E depois o nada, e depois o fim, e depois o adeus. Promessas vazias que se perdem no tempo. E a culpa nunca é de ninguém, são sempre as circunstâncias, é sempre o destino, há sempre algo com o qual não se pode lutar.
Mas eu não sou assim. Lutar é sempre uma hipótese, vale sempre a pena. E eu luto sempre pelos meus, mesmo que muitas vezes sozinha, mesmo que muitas vezes a luta esteja perdida logo à partida. Mas desistir é batota. Porque mesmo que falhe tudo, pode-se ser feliz. Essa é sempre uma das possibilidades. E eu acho que vou sempre escolher essa alínea.
E é por isso que continuo a apaixonar-me. Mesmo que diga que não acredito no amor e tente ser racional, há sempre uma parte de mim que cede, que eu deixo ceder. Uma parte de mim que se envergonha, que sorri de orelha a orelha, que sente o friozinho na barriga e que - quem sabe até - deixa o pé subir a acompanhar um qualquer beijo. "Afinal és uma romântica", disseste-me. Sou, é verdade, sempre fui. Mas há pedaços de mim que só dou de vez em quando, que só deixo escapar de vez em quando.
E é assim. Passam-se os anos e, ao passar pelas tais entradas, pelos tais degraus, pelos tais cantos, pesa a saudade. Pesa a certeza de saber que não existe mais aquilo que ali se perdeu. "Que pateta que era". E que pateta que serei outra vez, noutro amanhã, noutra cidade, com outro coração.

Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta.

Coimbra que se foi,

Não quero crescer nunca. Não quero ter de crescer nunca e deixar Coimbra. Mas a verdade é que, crescendo ou não, a minha Coimbra já me deixou, já se foi embora, já se afastou desta cidade dita dos estudantes. Já nada me é familiar, já nada me encanta. Os fados e as canções já não me tocam e a palavra de ordem é sempre a mesma - saudade. Que fazer quando me vejo em casa mas não está ninguém? Nem amigos, nem irmãos, nem família. A cidade é a mesma - sinto-o em mim - mas nunca mais os mesmo cheiros, os mesmos gestos, os mesmos sentimentos. A minha Coimbra foi embora e eu não soube ir com ela. Fiquei aqui, nesta cidade que não me conhece, que eu não conheço, que não me é nada. Que não me pode ser nada. Os meus já foram, partiram num qualquer comboio e eu não soube partir com eles. Fiquei aqui, nesta estação, sem coragem para ir, sem sítio para voltar. Não fui para lado nenhum mas não estou também em lado nenhum. Fiquei aqui, quieta, com medo de deixar aquilo que já não tenho. As malas foram feitas mas nunca encontraram nova casa, nunca sequer as voltei a abrir. Com medo olho para cima e só vejo o nome do apeadeiro de onde não fui capaz de sair - Coimbra (Saudade). Não quero crescer nunca. Mas acho que já é tarde demais. Coimbra partiu sem mim.