indefinição,

Li livros sobre rapazes que tinham relógios agarrados ao coração, não podiam sentir emoções fortes, o cucu não o permitia. Li outros em que as raparigas nem coração tinham ou haviam-no escondido num búzio no fundo do mar, ainda em criança. Eu não sei em que categoria me insiro. Não entendo bem a mecânica do meu coração. Sempre estive muito certa de tudo mas agora nem perdas, nem mudanças nem sequer mortes - literais ou não - me abalam. Ou talvez abalem e eu já nem note, tal e qual uma rocha na qual as ondas embatem, dia após dia. É só rotina. Mais tarde tornar-me-ei areia. Agora? Agora preparo-me para algo tão novo, tão arrebatador, tão diferente, que ainda nem assimilei bem a ideia, o conceito em si. Mais uma vez vou-me deixar para trás para me conhecer de novo. Embarcar numa nova aventura, digamos assim. Só lamento a pouca bagagem que se pode levar. Invejo os meus avós e afins, aqueles que sabiam que os companheiros de brincadeiras ainda estariam lá quando morressem. Na minha geração já será raro ter um amigo de infância num funeral. Triste, não? É tudo tão efémero. Nem me refiro propriamente à vida, estou mais virada para as amizades. E os amores... Mas esses... Traiçoeiros, filhos bastardos da razão com coisa nenhuma. Este novelo que me envolve deveria provocar em mim uma raiva tal que provavelmente poucos móveis restariam em meu redor. E, no entanto, nada. Nem uma lágrima, nem um grito. Uma espécie de vazio, uma calma inexplicável. Já pareço o Reis, aceitando tudo como se de nada se tratasse. Enlacemos as mãos, desenlacemos as mãos. Mas eu não as quero desenlaçar. Pouco me importa que seja inevitável. Não entendo porque é que temos de ir cada um para seu lado. Tudo bem, entendo. Interesses antagónicos. Mas não somos nem a URSS nem os EUA. Não tenciono vivenciar qualquer guerra fria a nível de amizade. Não tenciono viver qualquer guerra muito menos experimentar uma cortina de ferro. A distância tem mesmo de se traduzir num afastamento total? Pensei que o Longe da vista, perto do coração tivesse mais peso no meu futuro. E onde é que eu vou arranjar forças - se nem as tenho para me revoltar - para enfrentar toda uma nova realidade? Vou-me perder em Coimbra, e nem é assim tão longe. E depois assolam-me sentimentos tão egoístas, tais como desejar que ficássemos todos confinados neste buraco ao qual nem se pode chamar cidade. Constante contradição, eu sei. Mas também, concorro para um curso para o qual a principal aptidão que devo ter é a escrita, numa altura em que sinto que nem sei escrever. Veremos como corre a experiência, a vida, a tinta. Primeiro estranha-se, depois entranha-se, não é? Invadem-me um tédio e uma angústia enormes. Sou Campos. Sou tantos. Não sei quem sou.Talvez nem seja ninguém.

20 comentários:

  1. Estou sem palavras. Adorei, adorei, adorei. :)
    Beijinho

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  2. Amo Amo Amo e... Amo
    Sinto-me bastante igual a ti...
    :)
    Sabes que mais?? Se fores mesmo para Coimba? Pode ser que nos encontremos para tomar um café, e escrever umas coisas como o Campos, o Rei, e todos esses faziam (mas sem absinto à mistura :P )

    Tenho a certeza que te vais safar para onde vais...

    E a Escrita :), a escrita sempre gostou de ti... como eu sempre gostei da (tua) escrita :P

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  3. é tás indefinida
    talvez não sejas
    o mundo está cheio de buracos que são cidades
    e de cidades que são buracos
    tá bem
    teu nome é legião
    ó indefinida pessoa

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  4. Perfeito.Gostei muito do texto.
    é mesmo "primeiro estranha-se depois entranha-se",acaba por ser tambem uma questao de habito.

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  5. ADOREI!
    gostei muito daqui, sigo-te...

    beiijo,
    *.*

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  6. Adorei este texto, adorei as referências :)

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  7. hey inês. adorei, simplesmente, sem "mas" nem "porquês", adorei. está lindo, e não te preocupes, não és a única. há dias em que também me sinto assim, também sinto esse aglomerar de emoções, que me deixa assim, "indefinida".
    quanto à escrita, aposto que essa, vai-te acompanhar sempre, e vai ser uma amiga de infância, presente no teu funeral, certamente. essa pelo menos, nunca nos abandona.
    beijinho de mais uma seguidora, victoria *

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  8. So é efémero o que nos queremos que assim o seja .

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  9. Gostei muito do texto, escreves maravilhosamente. O vazio acaba por passar, por dar origem a tumultuosos dias tanto bons como maus, em que chegamos até a desejar essa passividade outra vez. Não te preocupes que ela vai, a paixão por viver acaba por substituí-la, devagar, como quem não quer a coisa :)
    Para que curso queres ir? :)
    beijinho

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  10. Encantas-me com as tuas palavras, são familiares para mim como se eu vivesse também aquilo que escreves.
    "Não entendo porque é que temos de ir cada um para seu lado.", principalmente nesta frase.

    e mais uma coisa, vais estudar para Coimbra?

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  11. Não faço ideia. Costumo dizer na brincadeira que gostava de ser médica, jornalista, guia turística ou hospedeira. Não são coisas muito parecidas, não é? Não sei o que me vejo a fazer para o resto da minha vida, mas tenho mais um ano para decidir.

    É, é mais difícil julgar as coisas quando estamos dentro delas. Qando nos apaixonamos, pouco importa o que os outros dizem. O que importa é explicarmos o que vai cá dentro, e por muito banalizadas que sejam as coisas hoje em dia, acabamos por recorrer também aos lugares-comuns.

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  12. encontrar-nos-emos em jornalismo, se assim calhar.
    e Coimbra trar-nos-á coisas boas, com certeza.

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  13. Coimbra é uma bela cidade...
    Gostei do que escreveste, revi-me muito na tua forma de ser.

    Beijinho

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  14. Inês: Variação de Agnes, a casta, a pura,
    de origem grega....discutível
    e o grego veio de onde
    parvoíce
    Naturalmente calma e ponderada...
    duvidoso
    seus modos indicam até certa timidez. Quando gosta de uma pessoa, torna-se amiga fiel para toda a vida, quando detesta deve ser o inverso

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  15. Nunca mais te respondi ao que me disseste, da última vez.
    se entrares em Coimbra, espero encontrar-te algumas vezes.
    E quanto ao que escrevi, foi de uma satisfação enorme saber que te trouxe compreensão. Ao menos, alguém que se sinta como eu.

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  16. Está magnígfico !
    És alguém, acredita que todos somos alguém. Todos temos um papel.

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  17. Não sou o único que mostra um certo tipo de genialidade, nem gosto da palavra. é muito forte, Inês.

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