Nessa noite, passeava-se pelas ruas da sua cidade natal - ainda que lá não tivesse nascido - sob as luzes que tanto a fascinavam. Fazia-se pequenina para se sentir mais quente, dentro do seu grande casaco, os headphones aqueciam-lhe as orelhas e achou por bem aconchegar-se de maneira a que o cachecol lhe tapasse o nariz. Era uma noite fria. Preferia ter ficado em casa, no calor da sua lareira, com um bom chocolate quente e a ver comédias românticas na televisão, por muito cliché que tudo isso fosse. Mas ele pedira-lhe que viesse e ela não aprendera ainda a dizer-lhe que não. ‘Preciso de ti, vou precisar sempre de ti’, dissera-lhe ele, certa vez. Ela detestava sempres e nuncas. Detestava amanhãs e a crença de que tudo se viria a resolver, eventualmente. Os hojes eram apenas antigos amanhãs cujo prazo de validade tinha expirado. I said, I can't quit you, babe/I guess I got to put you down for a while/Said, you messed up my happy home. Raios, tinha de ter cuidado com as canções que o leitor de música lhe oferecia. A última coisa de que precisava era de estar carregada de nostalgia e saudade quando se encontrasse com ele. A última coisa de que precisava era encontrar-se com ele. Ao longe viu um vulto, mais um vulto, que a princípio não reconheceu. Não o via há tanto tempo. Exceto nos sonhos, em sonhos encontrava-se com ele quase todas as noites, para ver as estrelas. E por momentos sentiu-se ainda mais pequenina. Teve medo. Teve medo como não tinha há muito tempo. Deixou-se estar, não soube ir ter com ele.
Veio ele ter com ela. E que estranho foi. A princípio não soube equacionar as palavras e as respirações. Entretanto percebeu que era ele, que ainda existia um pouco dele naquela sombra, e deixou-se ser. Ele não lhe queria dar hojes porque não lhe podia prometer amanhãs. Já a devia conhecer, já devia saber que a ela lhe bastavam os primeiros. Mas ele acreditava que se podia chegar ao fim do dia e ainda amar. Ela não sabia se o fim do dia chegaria por isso amava desde que acordava até ao possível adormecer. E às vezes até em sonhos. Muitas vezes até em sonhos. Não se achava no direito de lho pedir mas a verdade é que queria que ela esperasse. Ela disse-lhe que ele não sabia, que ele não tinha como saber, se ainda existiria amor findado o prazo. Que o amava naquele preciso momento mas que não sabia se o amaria amanhã ou noutros amanhãs mais longínquos. As palavras dela pouco efeito tiveram nele. Por fim desistiu, pedindo-lhe apenas que, quando o sentimento desaparecesse, lhe dissesse, para que ela não ficasse à espera de amanhãs que não chegariam. ‘Se’, disse-lhe ele. ‘Não é um se, é um quando’. ‘Se’, repetiu ele. ‘Quando’. ‘Olha para mim’. Bem tentou mas não encontrou forças. Ele, com uma determinação que lhe era caraterística, segurou-lhe no rosto e, concentrando todas as suas certezas numa única palavra, sussurrou-lhe um ‘Se’, para depois lhe beijar os lábios uma última vez.
Ela ficou à espera, sem se aperceber que, com o tempo, ele já não esperava, de facto, que ela esperasse. Até que o dia, o dia em que voltariam a ser juntos, chegou. Mas já não haviam portas abertas, esperanças ou mesmo amor. Nenhum dos dois deu pelo prazo a findar, pelo dia a chegar. E então, uma pergunta vinda de alguém, uma espécie de cotovelada no coração, ‘E agora? O que é que acontece? Não foi disto que estiveste à espera?’. Ela sorriu, relembrando uma Inês, a milhões de anos-luz de si, ingénua e apaixonada dos pés à cabeça, que tinha conseguido acreditar que voltariam a ser juntos. Pateta. Ela bem que ficou à espera mas, quando o amanhã chegou e o prazo findou, já não acreditava em finais felizes. E o último beijo acabou por se revelar mesmo o último. Já não haviam portas abertas, esperanças ou mesmo amor.
O medo de sonhar é uma coisa terrível. Mas não podes ficar acordada para sempre.