Coimbra que se foi,

Não quero crescer nunca. Não quero ter de crescer nunca e deixar Coimbra. Mas a verdade é que, crescendo ou não, a minha Coimbra já me deixou, já se foi embora, já se afastou desta cidade dita dos estudantes. Já nada me é familiar, já nada me encanta. Os fados e as canções já não me tocam e a palavra de ordem é sempre a mesma - saudade. Que fazer quando me vejo em casa mas não está ninguém? Nem amigos, nem irmãos, nem família. A cidade é a mesma - sinto-o em mim - mas nunca mais os mesmo cheiros, os mesmos gestos, os mesmos sentimentos. A minha Coimbra foi embora e eu não soube ir com ela. Fiquei aqui, nesta cidade que não me conhece, que eu não conheço, que não me é nada. Que não me pode ser nada. Os meus já foram, partiram num qualquer comboio e eu não soube partir com eles. Fiquei aqui, nesta estação, sem coragem para ir, sem sítio para voltar. Não fui para lado nenhum mas não estou também em lado nenhum. Fiquei aqui, quieta, com medo de deixar aquilo que já não tenho. As malas foram feitas mas nunca encontraram nova casa, nunca sequer as voltei a abrir. Com medo olho para cima e só vejo o nome do apeadeiro de onde não fui capaz de sair - Coimbra (Saudade). Não quero crescer nunca. Mas acho que já é tarde demais. Coimbra partiu sem mim.

em frente,

Os raios de sol esgueiram-se por entre a persiana como quem diz "já é dia!". Cubro a cabeça com as mantas e os lençóis na esperança que a luz se vá embora. Mas o futuro bate-me à porta e pergunta-me o que vamos fazer amanhã. Meia a dormir, nem percebo bem ao que vem. "O que vamos fazer amanhã?", insistiu. Não sei, desculpa mas não sei. Nunca fui boa com decisões, nem sei bem como vim aqui parar. Alguma qualquer coisa cá dentro por acaso acordou e disse 
- É por ali, vai.
E eu fui. Ninguém sabe... e isto porque uma vez alguém me explicou que se disser as coisas em voz alta elas se tornam mais reais. Não, mais reais não, mais verdadeiras. Deixa de ser possível voltar atrás. Há coisas que tenho de guardar para mim. Há eus que não posso mostrar. Às vezes é-me complicado viver comigo (e gostarias tu de mim da mesma forma se soubesses tudo o que escondo?). Ninguém sabe, mas não sei se fiz a escolha certa. Se calhar devia ter virado à esquerda e não à direita. Mas nos desenhos animados é sempre suposto virar à direita... Repito, não sei se fiz a escolha certa. Não sei se era este o curso. Na cidade acertei, na cidade sei que acertei. Coimbra para mim é azul de dia e laranja de noite. Todos aqueles que já viram Coimbra de noite sabem que é laranja, amarela, vermelha, toda uma palete de derivados de tons com um quê de dourado. É quente. E durante três anos aqueceu-me. Deixei de escrever porque deixei de estar sozinha. Raras são as exceções, só quando conduzo ou espero por ti à noite. Deixei de me escrever. Mas ainda há coisas que apertam cá dentro e me poluem os sonhos. Os amanhãs ainda me são complicados e fico confusa nas encruzilhadas. E hoje, ainda o sol mal tinha nascido, o futuro bateu-me à porta quando eu já nem de mim sabia. Ainda assim uma certeza, um "não te preocupes", essa qualquer coisa cá dentro vai acabar por acordar, eventualmente, a seu tempo. E aí sim, e aí
- É por ali, vai.

em coimbra as lágrimas tem uma quinta e as saudades canções,

De noite há o escuro e no escuro é difícil encontrar o que faz bem ao coração. Às vezes no cansaço fecha-se um pouco os olhos e ao abri-los de novo já se perdeu alguém. Nunca se deve fechar janelas àqueles que nos aquecem por dentro. Mas os fins aproximam-se - devagar e em silêncio - passam o rio de histórias, atravessam as ruas que são tão nossas e corrompem aquilo que devia durar. Semeiam a saudade sem querer saber se dói muito ou pouco. Dói muito. Quando o ciclo dá uma volta completa só se vê o azul, molhado do sal das lágrimas que choramos copiosamente, por entre rodas e carroçarias, embalados pela despedida. Anos mais tarde estará tudo confinado a uma caixa que não deverá jamais ser aberta - recordar custa. Habituei-me a adormecer e a acordar contigo. Todos os dias. Sempre. Os dias atropelam-se na pressa de chegar ao tal ponto final, apesar de ninguém querer deixar a cidade a que passámos a chamar lar, casa. Por muito utópico que seja, a família de que nos falaram quando ainda acreditávamos em contos de fadas parece  de novo possível. E eu não a quero deixar - a minha família. Espreitamos pelo buraco da fechadura e vemos o adeus. Não temos outra alternativa senão abrir a porta. E assim se foram os melhores anos das nossas vidas. 

Habituei-me a adormecer e a acordar contigo, Coimbra. Todos os dias. Sempre.