fins escondidos

Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta. A verdade é que qualquer entrada de casa, qualquer par de degraus, qualquer canto de Coimbra é bom para um fim. E esses fins ficam lá marcados, entranhados, escondidos. Primeiro evitamos os locais onde nos deixaram. Esta é a primeira fase. Depois, mesmo se formos a passear entretidos, distraídos - felizes - ao passarmos por um desses adeus aperta-se qualquer coisa cá dentro. E vão duas. Se tivermos sorte, chega um dia em que já quase nem reparamos, não notamos. E então vemos a porta, abanamos a cabeça e sorrimos. "Que pateta que era", pensamos. 
Quando nos deixam, quando desistem de nós, perdemo-nos um bocadinho. Por momentos não reconhecemos a rua, o chão, as próprias mãos. A pessoa que está ao nosso lado, a pessoa que nos explica que o um vai ter de voltar a ser dois. Bem sei que não te reconheci, naquela entrada, naqueles degraus, naquele canto da tão minha Coimbra. E quis desistir, quis mandar o amor à merda, quis fazer juras de nunca mais permitir a este coração parvo uma paixão.
Mas de que servem as promessas? Parece ridículo, mas já perdi a conta às vezes que me pediram em casamento. Agarrando-me a mão, de joelho no chão, com um anel invisível ou gritando o pedido no meio da rua. Prometem-me sempre sempres. Amanhãs, tantos amanhãs quantos conseguir imaginar. E depois o nada, e depois o fim, e depois o adeus. Promessas vazias que se perdem no tempo. E a culpa nunca é de ninguém, são sempre as circunstâncias, é sempre o destino, há sempre algo com o qual não se pode lutar.
Mas eu não sou assim. Lutar é sempre uma hipótese, vale sempre a pena. E eu luto sempre pelos meus, mesmo que muitas vezes sozinha, mesmo que muitas vezes a luta esteja perdida logo à partida. Mas desistir é batota. Porque mesmo que falhe tudo, pode-se ser feliz. Essa é sempre uma das possibilidades. E eu acho que vou sempre escolher essa alínea.
E é por isso que continuo a apaixonar-me. Mesmo que diga que não acredito no amor e tente ser racional, há sempre uma parte de mim que cede, que eu deixo ceder. Uma parte de mim que se envergonha, que sorri de orelha a orelha, que sente o friozinho na barriga e que - quem sabe até - deixa o pé subir a acompanhar um qualquer beijo. "Afinal és uma romântica", disseste-me. Sou, é verdade, sempre fui. Mas há pedaços de mim que só dou de vez em quando, que só deixo escapar de vez em quando.
E é assim. Passam-se os anos e, ao passar pelas tais entradas, pelos tais degraus, pelos tais cantos, pesa a saudade. Pesa a certeza de saber que não existe mais aquilo que ali se perdeu. "Que pateta que era". E que pateta que serei outra vez, noutro amanhã, noutra cidade, com outro coração.

Vai, mas não apanhes nenhum frio, e depois volta.

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